Não sei como, quando ou porquê, mas faz algum tempo que os boêmios passaram a ser chamados de “inimigos do fim”. Posso não ter sido seu melhor amigo na minha cada vez mais distante juventude, mas creio que não posso ser considerado um inimigo. No máximo, um adversário, já que admito que por muitas vezes dificultei o cumprimento dos seus deveres, pedindo mais uma saideira, reabrindo uma conta, esticando em outro bar, prolongando um beijo, esperando o sol nascer para bater na cama e começar tudo outra vez. Entretanto, por mais elusivo que eu já tenha sido no decorrer das minhas tantas e ousadas picardias juvenis, jamais enxerguei o fim como um opositor a ser combatido, um estraga-prazeres determinado a cortar as minhas asas e me trancafiar em uma gaiola pequena demais para comportar um descomportado tão ocasional quanto eu. No máximo um mal necessário – afinal, até mesmo o mais jovial dos corpos humanos precisa descansar e repor suas energias. Mas o tempo, a verdadeira mão que controla o fim, paulatinamente nos ensina a enxergar seu subalterno como ele verdadeiramente e a reconhecer os favores que o fim nos faz, apesar da nossa incompreensão.

O tempo é um instrumento da vida e o fim é somente uma das cravelhas que nos afina.

Quatorze anos da minha vida foram dedicados ao tabagismo. Três maços diários de Marlboro vermelho, mais de trezentos mil cigarros passaram dos meus dedos aos pulmões nesse período. Se não fosse o fim, talvez hoje eu não tivesse mais voz nem sequer fôlego para subir sozinho as escadas que tanto reclamo de subir carregando quarenta litros de água a cada quinzena. Foi um final complicado, é difícil abrir mão de um o prazer quando o mesmo se transforma em vício. Porém, assim como tantos outros encerramentos, no campo da saúde, do trabalho e até mesmo afetivo, foi necessário para não encurtar o meu tempo dançando conforme a toada da vida. E continuo boêmio, aos fins de semana, mas ainda assim, boêmio. E nunca inimigo do fim. Por entender e respeitar que tudo um dia chega ao fim. E por enxergar que muitos finais são, em verdade, recomeços.